domingo, 8 de abril de 2012

Proposta do TEMPO


O TEMPO – Núcleo de Estudos sobre Território, Movimentos Sociais e Relações de Poder compreende investigações históricas e/ou historiográficas relativas às formas de Estado, poder e grupos sociais, formal ou informalmente organizados, considerando as interações políticas inter e intragrupais, identificando, no espaço e no tempo, as relações de poder como inerentes a qualquer forma de relação social. As preocupações debruçam-se também sobre as instituições públicas e privadas, governamentais ou não, as relações cotidianas entre e no interior de diferentes movimentos e grupamentos sociais, suas formas de identidade, organização, demandas e contradições, incluindo as manifestações rurais e urbanas, revoltas, golpes, revoluções, lutas de emancipação, de forma a permitir a interseção entre as dimensões políticas, econômicas, culturais, religiosas de forma plena.
O homem não é só sujeito, mas também objeto do poder social, entendido como relação entre os homens, não apenas de forma individual mas também coletiva. Como fenômeno social, o poder pode ser descrito como uma relação entre homens, grupos ou classes sociais. Para definir um certo poder, não basta especificar a pessoa, grupo, classe ou fração de classe que o detém e, da mesma forma, quem a ele está sujeito: ocorre determinar também a esfera de atividade à qual o poder se refere ou a esfera do poder, lembrando que as relações são complexas e não excludentes, e que um indivíduo, grupo, classe ou fração podem ser envolvidos, submetendo ou sendo submetidos, com vários tipos de poder relacionados com diversos campos.
Estado, poder, classes, movimentos sociais e políticos, conflitos, memória, trabalho, nação e território, entre outros, são noções ou conceitos que instrumentalizam a análise de diversos campos da produção do historiador em suas ramificações variadas, seja a história econômica, social, política, cultural, etc. Mais do que a definição de “escaninhos”, ou de uma análise compartimentada, a linha propõe uma “história total”, buscando um arcabouço teórico interdisciplinar que possibilite, através da junção de saberes, a centralidade do conhecimento do processo histórico, principalmente em sua concretude que pode ser apreendida no território, entendido como vetor resultante das dimensões de tempo e espaço inerentes a toda atividade humana na História.
De acordo com Virginia Fontes, quando nos referimos à História estamos supondo a existência de um processo, de algo mutável e em transformação, de vidas sociais que incorporam dinâmicas diversas. Nesse entendimento, um mundo estático e repetitivo seria um mundo sem história. Conflito e cooperação comporiam dinâmicas diferenciadas, mas é o primeiro que produz um dos mais visíveis e um dos mais instigantes sintomas de transformação, traduzindo a maneira pela qual homens e grupos sociais expressam seu inconformismo. Assim, pensar a transformação – lenta ou rápida, molecular ou violenta, constante ou eventual, consciente ou inconsciente – tem como pressupostos a identificação de variadas modalidades de conflito, de divergências, de diferenças que, em seu embate, aportariam alternativas, sugeririam outras formas de vida ou rejeitariam padrões precedentes. Pensar a transformação e de outro lado, permanências, e, portanto, a história, implica pensar o conflito em sua dialética com suas diferentes modalidades.[1]
Nesta perspectiva, a questão central proposta para o grupo de pesquisa é a análise das diferentes e complexas relações de poder que perpassam os mais diferentes níveis sociais. Conforme Foucault, não haveria uma teoria geral do poder, e, portanto, não é possível considerá-lo como uma realidade que possua uma natureza ou uma essência universal. A partir de sua genealogia, adota-se a referência de poder não como algo unitário e global, mas heterogêneo e em constante transformação. É possível distinguir-se situações centrais e periféricas, níveis macro e micro do exercício do poder, diferenciando as relações de poder de seu mero exercício pelo Estado e seus aparelhos coercitivos, o que implica a compreensão de relações de poder para além do nível jurídico e da violência, não sendo apenas contratuais ou repressivas.[2]
As relações de poder são necessariamente de tipo antagônico? A existência ou não do conflito dependeria do modo de exercer o poder. Contudo, o poder expressa, habitualmente, uma desigualdade na distribuição de recursos (materiais ou políticos) entre diferentes grupos, agentes sociais e territórios. O que, no mais das vezes, reintroduz a tensão e o conflito nas relações de poder.
Portanto, o conflito ainda é um dos principais vetores de transformações.  Conflitos, que hoje sabemos, podem ocorrer em diversas arenas, seguindo a cada vez maior complexidade das sociedades.  A chamada sociedade em rede aumenta exponencialmente a possibilidade de conflitos que extrapolam os limites da política tradicional e do Estado.  Provocando mesmo a necessidade de repensar o conceito de sociedade civil, de modo a engendrar a possibilidade de pensar a sociedade civil de modo ampliado, englobando elementos transnacionais que, portanto, se relacionam com os Estados nacionais em um novo formato que ainda precisa ser caracterizado. O que, por sua vez, certamente acarreta também a redefinição e o repensar do(s) território(s) como lócus por excelência das relações sociais em geral e de poder em particular.
A distinção e a combinação gramsciana de sociedade civil e sociedade política como momentos do Estado moderno é importante porque, sem desconhecer as bases materiais e institucionais do poder – a burocracia estatal, o aparato repressivo, por exemplo, no caso da sociedade política, os clubes, os sindicatos, as escolas, no caso da sociedade civil -, radicaliza a idéia de que o poder não é uma “coisa” mas um feixe de relações sociais de força, que perpassam o conjunto da sociedade e não apenas um de seus “níveis”. Relações que são dinâmicas, permeadas pelas intervenções dos sujeitos sociais. E se a sociedade política, enquanto núcleo duro de poder, configura-se como quase - mas não completamente - imune às pressões e interferências dos grupos sociais subalternos, o mesmo não acontece com a sociedade civil. Esta se configura como espaço de poder das classes dominantes, mas também como arena de disputas e de interações em que intervêm as classes subalternas. Classes sociais que “acontecem” na história a partir das experiências comuns que grupos de homens compartilham tendo por base suas posições nas relações de produção, mas que não se dão a priori, em termos conceituais ou num sistema rígido de relações estruturais. As classes “acontecem” porque se encarnam “em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais”.[3] Numa palavra, para seguir na concepção gramsciana, as classes se encarnam na sociedade civil no mesmo movimento em que esta se constitui e reconstitui na história.
De um ponto de vista histórico, este processo pode ser entendido como a constituição social de territórios específicos, onde se podem apreender com maior profundidade e especificidade a constituição dos agentes sociais em suas identidades, valores, tradições, práticas nos quadros de configurações históricas de poder mais abrangentes e de longa duração: desde, por exemplo, aquelas corporativas, características das sociedades do Antigo Regime, até as configurações de poder estatal características da modernidade.[4] O território deixa, assim, de ser entendido como mero espaço para ser considerado em sua formação como feixe de forças e significados, na maioria das vezes, contraditórios.


[1] FONTES, Virgínia M. G. M. “História e Conflito”. In: MATTOS, Marcelo Badaró (org.). História: pensar e fazer.Rio de Janeiro: LDH/UFF, 1998, p. 35.
[2] FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 4a. ed., Rio de Janeiro: Graal, 1984.
[3] THOMPSON, Edward P.  A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, vol. 1, p. 10.
[4] Para a questão do poder corporativo, ver HESPANHA, A. M. As vésperas do Leviathan. Instituições e poder político. Portugal, século XVII. Coimbra: Livraria Almedina, 1994.

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