quinta-feira, 27 de junho de 2013



Debate na Faculdade de Formação de Professores da UERJ com a participação de mais de 300 pessoas, entre alunos, técnicos e professores, sobre as manifestações atuais, em 25 de junho de 2013. A mesa foi composta por  Charles de França, Paulo Alentejano, Gelsom Rozentino, Marcel Gavazza e Fernando D'Orville.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Notas sobre movimentos sociais em rede e as recentes manifestações no Brasil



Alguns apontamentos teóricos


O movimento social clássico, que se desenvolveu a partir do século XIX, e prevaleceu até meados do século XX, foi o sindical. A partir da década de 60 do século passado, surgiram movimentos que não podiam ser facilmente enquadrados na lógica corporativa e na visão clássica da luta de classes. Analistas chamaram esses movimentos por vários nomes:  identitários, culturais ou simplesmente novos movimentos sociais.

Embora de tipo novo, frequentemente estes novos movimentos sociais repetiam formas organizativas e repertórios de manifestação mimetizados dos movimentos clássicos. Isto é, eles tinham uma direção centralizada, tesouraria, realizavam assembleias e votações para decidir sobre suas ações, publicavam manifestos e declarações na imprensa tradicional etc.

Mais recentemente surgiram os chamados movimentos sociais em redes, ou até mesmo redes de movimentos sociais. Em parte, isto foi uma forma de contornar a fragmentação decorrente do crescimento dos tipos de movimentos sociais. O que caracteriza estes movimentos não é o uso de redes sociais. Na realidade, eles são um fenômeno anterior à disseminação das redes sociais, caracterizados pelo formato descentralizado e aglutinador. Movimentos em rede podem partir de um grupo organizado, mas, convocam a adesão praticamente indiscriminada de grupos e até mesmo indivíduos que concordam com suas propostas.

Sindicatos que divulguem suas assembleias, pautas e atos em redes sociais não se transformam em movimentos sociais em rede, pois suas decisões continuam centralizadas em assembleias com participação corporativa e suas manifestações serão controlados pelo grupo dirigente da associação.

O caráter aglutinador dos movimentos em rede tira a centralidade da assembleia. É mais provável que várias reuniões decidam o modo como vários grupos irão participar do movimento. Isto rompe com qualquer característica corporativa e cria uma certa indeterminação no próprio modo como as manifestações são conduzidas.

Movimentos em rede costumam ter pautas gerais, não corporativas e dessingularizadas, que possam aglutinar a maior quantidade possível de grupos e/ou pessoas.

O uso das redes sociais da internet, embora não caracterize os movimentos sociais em rede, ampliou imensamente o poder de alcance de sua ação, permitindo desterritorializar as manifestações que potencialmente passaram a ter alcance mundial e simultâneo; aumentar a capacidade de responder em tempo real ao surgimento de novas demandas e obstáculos; e tornando a comunicação entre lideranças e militantes quase direta. Essas novas potencialidades ampliaram o caráter descentralizado dos movimentos em rede.


Reflexões sobre as manifestações recentes no Brasil




Não é a primeira fez que temos no Brasil movimentos sociais em rede, o Fórum Social Mundial, que teve algumas das suas edições no Brasil, não deixou de ser uma tentativa de colocar em ação uma rede de movimentos sociais, com o objetivo de congregar as mais variadas demandas, mas também extrair pautas comuns e ações integradas.


Mais recentemente, por ocasião da RIO + 20, Movimentos Sociais organizaram a Cúpula dos Povos. Este evento teve uma direção formada por representantes de variados movimentos, que organizou debates, palestras e manifestações. Mas, em grande medida, a Cúpula se tornou uma espécie de “festival” de movimentos sociais, que se materializou na Marcha dos Povos que encerrou o evento.


O movimento passe livre (MPL) tem algumas características tradicionais de organização, mas a forma como ele convocou as recentes manifestações foi claramente inspirada em movimentos em rede. O tema da mobilidade urbana é bastante aglutinador, dessingularizado e vem se tornando mais urgente com a recente onda de desenvolvimento e expansão urbana. Redes Sociais foram utilizadas não só para convocar as manifestações, mas também para pedir a replicação das mesmas em todo o país. O movimento se tornou muito maior do que a capacidade organizativa do MPL.


A repressão policial, particularmente aquela sofrida pela manifestação em São Paulo, no dia 13 de julho, ampliou a pauta do movimento, que passou a ter como uma de suas bandeiras o próprio direito à manifestação.  Ela também teve algum efeito sobre o modo como a grande imprensa, ela mesma vítima da repressão, passou a encarar o movimento.


Em movimentos em rede é esperado que haja alguma rejeição a algum grupo, particularmente se não foi ele que convocou originalmente as manifestações, e tenta “tomar a direção”, lançando manifestos em nome de todos os participantes, ou mesmo tentando fazer com que passeatas sigam o seu carro de som e suas bandeiras.  A rejeição à participação de partidos e sindicatos nas manifestações a partir de 17 de junho, contudo, extrapolou muito essa compreensível tendência.


É urgente refletir sobre as consequências de um discurso que praticamente criminaliza a ação parlamentar, enquadrando todos os partidos e instituições políticas como cúmplices da corrupção.  Infelizmente, parte da própria esquerda, que hoje é vítima da rejeição dos manifestantes desorganizados, incentivou a adesão a este discurso.


Movimentos sociais, em geral, querem uma ampla cobertura da grande imprensa, pois ela amplifica muito o alcance de suas ações. Por maior que seja a penetração das redes sociais atualmente, elas ainda não podem concorrer com a grande imprensa. Contudo, no caso específico das recentes manifestações, houve rejeição aos profissionais desta grande imprensa que passaram a trabalhar sem identificação clara. Isto merece uma reflexão que dificilmente a própria grande imprensa fará.


Se o movimento já havia suplantado a capacidade organizativa do MPL, a adesão de centenas de milhares de pessoas também fez com que suas pautas deixassem de ser orientadas por qualquer tipo de direção, ainda que compartilhada.  Palavras de ordem como “não à corrupção”, “não à repressão”, “melhorar a saúde” e “melhorar a educação” são genéricas o suficiente para atrair os mais variados grupos do espectro político, organizados ou não.


A falta de direção passou a se manifestar na própria forma como os protestos foram conduzidos, sem um carro de som, sem cantos reproduzidos por todos, e em alguns casos até mesmo sem um trajeto definido.


Ficou demonstrado que a característica de levantar pautas genéricas é, ao mesmo tempo, a força e a fraqueza dos movimentos em rede. Força, porque é capaz de atrair centenas de milhares de pessoas espalhadas por todos os cantos do país simultaneamente; fraqueza, porque estes aderentes podem seguir as manifestações com suas próprias pautas e objetivos, de uma maneira que nem sempre é possível coordenar.


Estes apontamentos são mais analíticos do que práticos e de forma nenhuma pretendem orientar a ação do movimento. Contudo, se os grupos de esquerda que estiveram na origem das primeiras convocações pretendem recuperar a direção das manifestações, eles precisarão objetivar o máximo possível as suas reivindicações e assumir um papel de protagonista, inclusive, nos aspectos práticos das manifestações.


Sydenham Lourenço Neto
Departamento de Ciências Humanas

PPGHS-UERJ
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