Abaixo seguem os depoimentos de Magalhães Pinto - que figura na capa da revista e é apontado como o "herói da revolução" por David Nasser -, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek sobre "a vitória da Revolução". É interessante ver como o menor depoimento é justamente de Magalhães Pinto, banqueiro e governador de Minas Gerais, um dos principais articuladores do golpe junto ao governo dos EUA. Em Lacerda e Adhemar, destaca-se a verve anticomunista radical. JK busca se localizar nos apelos a Deus e a conciliação. Boa leitura!
Depoimentos de Magalhães, Adhemar, Lacerda e Juscelino
sôbre a vitória da Revolução
MAGALHÃES
O Governador Magalhães Pinto, de Minas
Gerais, liderou o grande movimento político-militar em defesa do regime
democrático. Sem perder a serenidade um só momento, o dirigente udenista
manteve o clima emocional, a união de Minas e a decisão de conquistar a
vitória. Quando ela foi conquistada, declarou com exclusividade para “O
Cruzeiro”:
O movimento restaurador da legalidade, que Minas tomou a
iniciativa e a responsabilidade de desencadear, com o apoio de todos os
brasileiros, em breve estará concluído com a formação de um Govêrno em condições de
promover a paz, o desenvolvimento nacional e a justiça social. Belo Horizonte,
2 de abril de 1964.
ADHEMAR
O Governador Adhemar de Barros em entrevista exclusiva cedida
a “O Cruzeiro” – a primeira desde a
eclosão do movimento armado contra o govêrno do Sr. João Goulart –, disse que
dará combate sem trégua aos comunistas, caçando-os onde estiverem, em qualquer
ponto do território nacional.
Visìvelmente eufórico, apesar do cansaço de
muitas horas sem dormir, o Sr. Adhemar de Barros começou dizendo que o
movimento revolucionário por êle comandado em São Paulo começou na noite de 31
de março de março, “para valer”.
– Quando vocês todos
estavam dormindo, sonhando com a liberdade, nós já mandávamos os primeiros
comunistas para a Casa de Detenção.
E frisou:
– Mas
à velha Casa de Detenção, pois não têm mais direito nem à cadeia nova.
“A Polícia de São Paulo”
– continuou – “agiu com absoluta segurança, colaborando com o
General Amaury Kruel, que desde o início estava integrado no nosso
esquema de libertação nacional. Naquela altura, eu e mais
seis governadores de Estado (Minas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Guanabara, Mato Grosso e Paraná) já tínhamos pronto o decreto de beligerância
que iria instaurar o primeiro govêrno brasileiro. Eu próprio redigi o manifesto
que ainda se encontra em meu poder. Queria com isso comunicar ao Mundo que no
Brasil ainda havia líderes realmente democratas que não toleram o jôgo
vermelho.
“O Brasil retornará agora à
sua política internacional de apoio incondicional ao Ocidente. À sua política
de livre iniciativa. Abandonamos o tripé instalado pelo Goulart. Tripé apoiado
em órgãos espúrios como CGT, UNE, PAC, PUA e outros. No govêrno dele mandavam
os pelegos, os estudantes vermelhos, os camponeses doutrinados e os escravos de
Moscou.
“Agora, caçaremos os
comunistas por todos os lados do País. Mandaremos mais de 2 000 agentes comunistas
– numa verdadeira Arca de Noé – para uma viagem de turismo à Rússia. Mas uma
viagem que não terá volta. Que falem em democracia, agora, na Rússia.
“Não deporemos armas enquanto
não expulsarmos tôda a canalha vermelha. Caçaremos os mandatos de todos os
parlamentares, governadores e prefeitos comunistas. Não mais permitiremos a
infiltração no nosso meio, pois não podemos nos reerguer enquanto tivermos
comunistas em nossos alicerces. Não aceito acôrdo de espécie alguma com
comunistas.
“Êles jamais quiseram reforma
de base. O que êles queriam era fazer delas escudo para a reforma da
Constituição. Mas nós não o permitimos. Agora terminou tudo. O Presidente
Mazzilli vai revogar todos os decretos espúrios (SUPRA, aluguéis, encampações
etc.). A SUPRA é uma entidade comunista.
“Nós começamos em 60 muito
mal (refere-se a Jânio) mas, graças à Virgem Maria, dois jotas nós já
conseguimos derrotar. Agora só falta o terceiro (JK), que sempre foi o
principal conselheiro de Jango. Quando êste procurava o caminho democrático,
êle colocava lenha na fogueira. Os três jotas estavam unidos para derrotar a
Democracia.
“Voltamos ao poder para
pacificar. Não quero nada. Apenas a democracia autêntica, sem receber ordens de
Moscou.
“Vamos começar imediatamente
o expurgo dos comunistas. Darcy Ribeiro, Jurema, Valdir Pires, Ryff, Pinheiro
Neto, Eloy Dutra e outros canalhas.”
Finalizando disse: “Goulart bolchevizou a
família brasileira. Mandou mais de 11 mil estudantes paulistas fazerem cursos
comunistas na Rússia. Agora, vou mandar os comunistas falar em liberdade em
Moscou”.
LACERDA
Antes, durante e
depois da crise, o Governador Lacerda estêve no centro dos acontecimentos. E,
como é de seu feitio, pronunciou-se diversas vêzes com a maior veemência. Na
tarde do dia 1º de abril, anunciando ao povo a vitória das fôrças comandadas
pelo General Olímpio Mourão Filho, o Governador da Guanabara fêz declarações
através do rádio, declarações que constituem verdadeira súmula do que êle
dissera até então.
Depois de se dirigir às donas de casa, pedindo-lhes que se
mantivessem calmas, o Governador passou a analisar o Sr. João Goulart, seu
Govêrno e as causas que determinaram a necessidade do seu afastamento. “De
herdeiro de alguns hectares de terra, transformou-se, em poucos anos, em
proprietário de mais de 550 mil hectares – uma área igual a quatro vêzes e meia
o território da Guanabara.”
E prosseguiu: “Associado do Sr. Wilson
Fadul (que por isso foi ser Ministro da Saúde, e não porque seja um cientista),
em quatro anos, com dinheiro do Banco do Brasil, e com dinheiro cuja origem não
explica, o Sr. João Goulart transformou-se num dos homens mais ricos dêste
País, com três bois por hectare em suas fazendas”.
“O Sr. João Goulart é um
leviano que nunca estudou – e não estudou porque não quis, não é porque não
pôde. E agora, no Govêrno do País, queria levar-nos ao comunismo.”
Explicando que discordara da investidura do Sr. João Goulart
na Presidência da República, mas terminara aceitando-a, disse o Governador
Lacerda: “Eu o conhecia bem. Mas, como bom democrata,
submeti-me à vontade da maioria, quando entrou em vigor a fórmula do
Parlamentarismo. Mas o Sr. João Goulart não queria governar. Adulava, de dia,
os trabalhadores que condenava ao desemprêgo, de noite. O Sr. João Goulart
jurou fidelidade ao Parlamentarismo, para logo em seguida impor o plebiscito, e
todo o povo votou. Eu não votei porque achava que o plebiscito era uma
palhaçada, e repito que era”.
“Quem quiser fazer reformas
deve ter a honestidade de dizer que as fará sem reformar a Constituição. Há
necessidades de se fazer reformas, e eu acho que se pode fazer isso sem se
mexer na Constituição. Mas o Sr. João Goulart não queria isso. Montou um
dispositivo sindical nos moldes fascistas, com dinheiro do Ministério do
Trabalho, dinheiro roubado do impôsto sindical, roubado do salário dos
trabalhadores, para pagar as manifestações de banderinhas e as farras dos
homens do Ministério do Trabalho.”
“Ao mesmo tempo, começou a
criar dificuldades para a Imprensa, para os jornais, para o rádio e a
televisão, iniciando um processo de escravização dos homens livres que fazem a
imprensa do nosso País. Depois de criar as dificuldades, o Sr. João Goulart
oferecia-se para resolvê-las, enquanto dava curso ao processo de entreguismo do
Brasil à Rússia. O Sr. João Goulart foi o maior entreguista que já teve êste
país.”
Continuando seu discurso, acusou o ex-Presidente Goulart de
iniciar o solapamento da autoridade militar, entregando os comandos militares a
gente sem prestígio nas Fôrças Armadas. “O desprestígio”
– disse Lacerda – “atingiu a todos os setores
do Govêrno, os Ministérios Civis e a própria Casa Civil da Presidência, onde
estava Darcy Ribeiro, um instrutor de tupi-guarani, que acabou reitor da
Universidade de Brasília sem jamais ter sido professor”.
Dizendo que os brasileiros honrados que votaram em João
Goulart não tinham dado seu voto ao comunismo (“portanto Jango enganou o
povo”), Lacerda fêz referências elogiosas aos Generais
Castelo Branco e Mourão Filho, atacando em seguida o Almirante Aragão (“sem
condições para ser almirante”), e aludindo ao Cabo José
Anselmo: “A Marinha é tão ruim que um cabo pode ser estudante
de Direito. Em nenhuma Marinha do Mundo, nem nos Estados Unidos, nem na Rússia
– um cabo tem tempo para estudar Direito. E o Sr. João Goulart acobertou,
patrocinou, estimulou tôda essa gente, jogando marinheiro contra soldado, farda
contra farda, classe contra classe, brasileiro contra brasileiro”.
“Assim, não era possível que
Marinha, Aeronáutica e Exército suportassem mais tamanha impostura e tamanha
carga de traição.” E concluiu: “Deus é bom. Deus teve pena
do povo”.
JUSCELINO
Dizendo que a legalidade é anticomunista mas
não é antipopular, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, candidato do PSD ao
Palácio do Planalto em 1965, afirmou em entrevista exclusiva a “O Cruzeiro” que
a hora é de grandeza democrática, e que o Brasil precisa de reformas contra os
privilégios e contra os extremismos. A palavra do líder que estêve, também, no
centro dos últimos acontecimentos é decisiva para o desarmamento dos espíritos,
agora que o País volta à paz e ao trabalho.
É com o pensamento voltado para Deus, grato à sua proteção ao
Brasil e ao seu
povo, que saúdo a nossa gente pela restauração da paz, com
legalidade, com disciplina e com a hierarquia restauradas nas Fôrças Armadas.
No auge da crise, quando era próxima a possibilidade de
derramamento do generoso sangue brasileiro, o apêlo à paz, com legalidade,
disciplina e hierarquia, tinha de ser ouvido. E foi ouvido. A paz está mantida.
A legalidade engrandecida. A disciplina e a hierarquia rejuvenescidas.
Mas do que nunca o Brasil precisa de paz: nos espíritos e nos
corações. A mente clara, para pensar sem ódios e sem rancores. A convalescença
terá de ser curta, sem radicalizações e sem ressentimento. Não manteremos a paz
da Democracia representativa com sentimentos de vingança e rancores condenáveis.
A hora é de grandeza democrática. De grandeza da própria
Democracia. De volta à rota do progresso pela criação da riqueza e da
multiplicação das oportunidades de viver melhor. Sem progresso não haverá
liberdade para alcançar a justa distribuição da riqueza. Continuaremos a
socializar o escasso.
A paz não exclui, todavia, a vigilância democrática. O perigo
comunista não estava, como se viu, no comportamento do povo e dos
trabalhadores, ordeiros e democratas. O perigo comunista estava na infiltração em
comandos administrativos.
A vigilância democrática não significa, porém, a
oficialização em qualquer ponto do território nacional do liberticídio, do
desrespeito às liberdades individuais e associativas. E muito menos daquelas
liberdades que mais de perto se relacionam com as aspirações populares e com os
direitos associativos, com os sindicatos libertados de influências políticas de
cúpula.
A legalidade é anticomunista, mas não é antipopular. A
legalidade democrática deverá estar aberta, em todos os seus canais de
comunicação, ao livre curso dos debates.
A legalidade democrática abre também a possibilidade de
recolocar o problema das reformas de base. As reformas realmente democráticas,
dentro da ordem social e econômica. Reformas que elevem o padrão de vida do
povo, nos campos e nas cidades, significando socialização da riqueza, com a
preservação integral do princípio da propriedade privada, que cumpre estender e
generalizar, dando prioridade aos que nada possuem.
Não temos dúvida em afirmar que a Democracia só será
consolidada e enriquecida com a conquista permanente da devoção popular.
A legalidade democrática nos conduzirá às eleições. Será a
continuidade do regime, já restaurado com a posse, pelo Congresso, do meu
eminente companheiro de partido, o Presidente Ranieri Mazzilli. O ritual
democrático está firme. É preciso, agora, que os fins que êle simboliza sejam
realizados pela ação dos brasileiros lúcidos e tolerantes.
O
Brasil das reformas é o Brasil democrático, contra privilégios e contra extremismos.
É o Brasil sem frustrações. Esperançoso, rico e mais justo.
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