Gelsom Rozentino de Almeida
Procientista FAPERJ/UERJ
Professor Associado PPGHS/UERJ
Coordenador do TEMPO
GT História e Marxismo - ANPUH
Em dezembro de 1983, apesar da
iniciativa tomada na campanha, a Comissão Executiva Nacional do PT reconhecia
que ainda havia vários setores do partido que tinham dúvidas sobre a
importância da luta por eleições diretas. Setores que acreditavam que o povo
não se interessaria por eleições, mas por emprego, terra e comida. Os
dirigentes do partido, entretanto, decidiram investir na campanha pelas eleições
diretas, considerando-as como condição para a conquista do governo e, em
conseqüência, para a mudança das políticas econômica e social.
A Executiva buscava, antes mesmo da
aprovação da proposta na Convenção em 1984, aumentar a participação do PT na
campanha – “questão de honra para a sociedade brasileira “[1] –
através da criação de comitês suprapartidários em bairros, cidades, sindicatos,
associações; comícios-relâmpagos em pontos de grande concentração e grandes
atos públicos unitários; barracas de propaganda com material de divulgação. O
PT, ou melhor, a direção do PT, não aceitava o lançamento de nenhum nome para a
Presidência, pois poderia implicar na divisão entre os diferentes partidos. E
também era contra a proposta aventada por alguns, como o Governador Leonel
Brizola (RJ), em favor de um mandato-tampão ou prorrogação do governo do
General Figueiredo.
A
direção do PT formulou na reunião da Executiva Nacional de 14 de janeiro de 1983 a sua justificativa para
o estabelecimento da luta por eleições diretas como prioritária naquele
momento. Tratava-se também de afastar os temores internos de que o partido
estaria se “rendendo” e adotando uma
postura liberal diante dos grandes impasses vividos pelo país. A campanha por
diretas não seria uma luta isolada, ou um fim em si mesma, mas estaria
vinculada a lutas tidas como prioritárias para o partido.
“(...) A direção do partido não
vê as eleições diretas como uma panacéia, uma mágica capaz de salvar o país do
naufrágio econômico e social que lhe foi imposto pelo regime militar. Não. Para
o PT a conquista das eleições diretas é apenas um momento na dinâmica das lutas
pela reorganização completa da sociedade brasileira. Porém, seria uma
demonstração de cegueira política inadmissível não enxergar que essa campanha –
e a realização propriamente dita de um pleito para a escolha de um novo governo
– constituem dois momentos extremamente favoráveis para que os trabalhadores se
articulem nacional mente [e] ganhem mais espaço para suas reivindicações.
“Ou seja, o PT saiu na frente na
luta pelas diretas porque a escolha democrática dos governantes é um princípio
do qual o partido não abre mãos. [sic] E também porque sua direção entende que
essa bandeira cria um terreno fértil para a agitação de três lutas prioritárias
dos trabalhadores: 1. a mudança radical da política econômica, de modo a
atender os interesses das grandes massas; 2. a conquista plena das liberdades
políticas, em particular a liberdade de organização sindical e partidária e o
fim da Lei de Segurança Nacional; e 3. a
implantação de uma reforma agrária conseqüente que atenda aos interesses
dos trabalhadores do campo e da cidade.
“Fica
claro, portanto, que para o PT a campanha pelas diretas não pode se esgotar com
a votação da Emenda Dante de Oliveira (dia 11 de abril), quando o Congresso
decidirá se o pleito será democrático ou não. Se a emenda for aprovada, será
preciso ir às ruas para garantir a realização das eleições. E se ela for
rejeitada, será preciso continuar nas ruas com mais força ainda, para pressionar
o regime e derrubar o veto.”[2]
A coordenação da atuação petista na
campanha ficou ao cargo de Luís Eduardo Greenhalg (coordenador), Francisco
Weffort, Lula, Airton Soares, Bete Mendes, Sidney Lianza e Jacó Bittar. A
tarefa dessa comissão era agitar o partido e incentivar a formação de comitês
suprapartidários por todo o país. A idéia era realizar um “Dia Nacional de Luta
pelas Diretas”, comícios, manifestações, por todas as categorias e estados,
preparar uma Greve Geral juntamente com a CUT. Pretendia-se ir além da defesa
do direito ao voto para presidente, articulando a reivindicação por eleições
diretas com “trabalho, terra e liberdade” (o slogam do PT em 1982) e tornando a campanha um movimento de massas.
Se possível, culminando com a organização e mobilização dessas massas em
caráter permanente.
Em meio a conjuntura da campanha das
Diretas Já, ocorria a disputa pelo poder no partido, tendo como foco a atuação
e o fortalecimento do partido junto aos movimentos sociais e lutas populares.
Quatro teses foram apresentadas no III Encontro Nacional do PT em 1984: a
primeira encabeçada por Lula (Por um PT de Massa), que foi escolhida como
tese-guia, a Segunda por Virgílio Guimarães (O PT na direção da luta), a
terceira por José Genoíno (Pelo fim do regime militar), e a quarta por Bruno
Maranhão (Projeto de Ruptura Popular).[3]
A primeira proposta era assinada por
Lula, Jacó Bittar, Francisco Weffort, Luís Eduardo Greenhalgh, Djalma Bom,
Devanir, José Dirceu, Perseu Abramo, Hélio Bicudo, Luís Gushiken (SP); Luís
Dulci e Mares Guia (MG); Apolônio de Carvalho (RJ); Perly Cipriano (ES);
Mescoloto (SC); Neumar (RO); Athos (GO); e outros. Propunha-se enfatizar os
seguintes pontos:
-
fortalecer
os núcleos, concedendo poder deliberativo e cobrando sua estreita ligação com
os movimentos de massa;
-
melhorar
a formação política dos filiados, através de programas sistemáticos e da
reflexão conjunta sobre as experiências de luta;
-
formular
um programa de atuação parlamentar que, sem substituir a organização e a luta
dos trabalhadores, aproveite ao máximo as possibilidades do parlamento;
-
elaborar
planos de finanças eficazes e responsabilizar todos – e não apenas tesoureiros
e órgãos de direção – pelo seu êxito;
-
intensificar
a atuação nos movimentos popular e sindical, traçando políticas claras e
definidas, mas sempre respeitando a sua autonomia;
-
exigir
de todos os petistas que se submetam às diretrizes e instâncias partidárias, e
não tentem confundir o PT com uma frente nem passar posições alheias ao
partido.[4]
Conforme
essa proposta, o objetivo prioritário do partido, naquele momento, seria
impulsionar o movimento de massa para apressar o fim do regime militar e
conquistar a democracia. O PT, ao lado dos movimentos popular e sindical,
lutaria contra a política econômica,
pelo rompimento dos acordos com o FMI, pela supressão do pagamento da dívida
externa e por uma reforma agrária sob controle dos trabalhadores. Contra o
regime militar, lutaria por eleições livres e diretas, sem restrições, não por
razões táticas (também) mas por uma questão de princípio democrático. Além de
condenar o Colégio Eleitoral, o PT combateria qualquer participação no processo
de eleições indiretas e qualquer conciliação com o regime. Defenderia eleições
em dois turnos e só definiria candidatura em convenção nacional extraordinária,
após a conquista das diretas. Nas lutas em que se posicionasse ao lado de
outras forças, o PT não deveria perder sua identidade nem sua independência
políticas. Suas propostas deveriam ser levadas às bases sociais e nelas buscar
apoios, sem acordos de cúpula e de
gabinete. O PT deveria apoiar o desdobramento da campanha das diretas em
grandes jornadas de lutas de massa contra o regime, inclusive a greve geral
(como proposta da CUT), e aprofundar o debate interno sobre a Assembléia
Nacional Constituinte.
Afirmando
que a meta final do PT é o socialismo, indicava-se a questão do poder para os
trabalhadores:
“(...) Lutar por eleições
significa que queremos os trabalhadores nos governos. Mas governo é apenas uma
parte do poder, que exprime as relações de dominação econômica, social,
política e cultural existentes na sociedade.
“Para mudar o caráter do Estado,
e com isso, contribuir para a transformação da sociedade, queremos, além do
governo, também o poder. Mas a oportunidade da tomada do poder ainda não está
colocada de forma clara e consciente para a totalidade da classe trabalhadora.
Além disso, poder não apenas se toma, mas também se constrói. Portanto, devemos
fortalecer a capacidade de organização e de luta dos trabalhadores.
“Para
conquistar os governos – e também o poder – precisamos ter propostas concretas.
Assumimos, pois, como nossas, as propostas de governo contidas nos documentos
básicos do PT, principalmente, as do texto intitulado “Terra, Trabalho e
Liberdade”.(...)”[5]
A segunda proposta apresentada era
assinada por membros da Democracia Socialista (Jornal Em Tempo), de cunho
trotskista, e outros militantes próximos, como Virgílio Guimarães e Aloísio
Marques (MG); Raul Pont e Nelson Sá (RS); Joaquim Soriano e José Emídio de
Souza (RJ); Flávio Andrade e Keiji Kanashiro (SP); Ronaldo Barbosa Ferreira
(PB); e outros. Para os autores, a mais grave crise já vivida pela sociedade
brasileira ofereceria perigos, mas, ao mesmo tempo, estaria repleta de
possibilidades para as classes trabalhadoras. Seria necessário ousar, armar o
partido ideológica, política e organicamente, colocando o PT à altura dos
grandes desafios.
Em seu programa defendiam o fim da
ditadura militar, entendida como conquista “das mais amplas liberdades democráticas”,
como o primeiro passo para o atendimento das reivindicações do povo. Diante da
crise, o PT deveria se constituir em uma alternativa operária e popular,
participando de acordos pontuais com outros setores da oposição. Mas, de forma
alguma, deveria participar de alianças globais com as classes dominantes. A
tática seria centrada em mobilizacões de massa, amplas e politizadas, em torno
de uma plataforma (quase que consensual no partido): 1) Por eleições livres e
diretas já, pelo fim do regime militar, por uma constituinte livre e soberana;
2) Pelo fim da política econômica de arrocho e desemprego; 3) Pelo rompimento
dos acordos com o FMI e com os banqueiros internacionais; 4) Pela reforma
agrária. A disputa da hegemonia com os liberais, no bojo da campanha por
eleições diretas, requereria, além da medidas citadas, o lançamento de uma
candidatura própria das forças operárias e populares. O PT, através de Lula, é
quem possuiria o nome de maior expressão e ressonância nesse campo. Seu
lançamento, como pré-candidato, ao invés de fechar as portas para possíveis
composições posteriores com estas forças, na verdade forçaria o rompimento das
correntes operárias com o PMDB e o PDT. E, quanto a conquista do poder, mesmo
não estando ainda na ordem do dia, o PT deveria orientar as massas num “rumo
estratégico definido (...) um programa rumo ao socialismo (a Plataforma
Trabalho, Terra e Liberdade, da campanha de 82)”, se assemelhando à primeira
proposta.
Mas o PT teria a tarefa imediata,
porém permanente, de ser um partido de massas e dirigente:
“(...)
Para se elevar à altura das tarefas políticas do momento o PT não pode mais ser
apenas um partido de ‘expressão’ das lutas sociais dos trabalhadores. O partido
precisa enraizar-se nas massas, conquistar centenas de milhares de reais
militantes e ousar tornar-se direção da classe trabalhadora e demais setores
rumo à disputa do poder político. Para isso é urgente avançar na construção
orgânica do PT, criando um jornal militante, baseando o partido em núcleos efetivos voltados para a
intervenção política, implantando secretarias e linhas de ação setorial nos
diversos movimentos sociais, dotando o aparato partidário de uma estável
estrutura de finanças e avançando nas democracia e centralização de toda a sua
militância de base e de direção.”[6]
A terceira proposta era assinada por
José Genoino Neto e Ivan Valente (SP); Paulo de Tarso Carneiro [Tarso Genro]
(RS); e Cliveraldo Nunes (RJ). A luta, para estas lideranças, deveria estar
concentrada contra o regime militar, combatendo a conciliação, com a construção
de um oposicionismo popular diferenciado e independente, com base numa
plataforma própria de ação imediata e tendo como referência a conquista do
poder de Estado pelos trabalhadores em luta e o socialismo. O fortalecimento organizativo
do partido seria decorrência do seu fortalecimento político.
Com o esgotamento do regime político
de 20 anos e a possibilidade de uma explosão popular, identificava-se a
tendência a um novo pacto entre as elites visando promover reformas por cima. O
nível de consciência, organização e luta
do movimento de massas ainda não estaria à altura do momento histórico. Mas haveria espaço para o seu avanço e radicalização contra o
regime. A divisão do movimento sindical, embora a CUT reunisse a maioria dos
setores combativos, era vista como um problema. A solução seria a convocação de
um congresso unitário com indicação de uma central que reunisse, efetivamente,
todo o movimento sindical.
A plataforma para unificar
politicamente o movimento de massas poderia ser sintetizada: 1) Eleições
presidenciais diretas com liberdade, com o desmantelamento do SNI e demais
polícias políticas, revogação da LSN, liberdade e autonomia sindical, direito
de greve, liberdade partidária e eleitoral; 2) Fim dos “pacotes” de arrocho,
desemprego e carestia; 3) Revogação dos acordos com o FMI e não pagamento da
dívida aos banqueiros internacionais; 4) Atendimento das reivindicações
imediatas dos trabalhadores rurais, com uma Reforma Agrária radical.[7]
No III Encontro Nacional as quatro
teses foram rearticuladas em duas chapas. Uma liderada por Lula, “Por um PT de
massa”, representando a Articulação, e outra encabeçada por Virgílio Guimarães,
com o apoio das demais tendências. A Chapa de Lula foi vitoriosa com 65,8% dos
votos. A disputa interna, muitas vezes acirrada, não chegaria a paralisar o
partido.
Após a confirmação da eleição
indireta do presidente da República, a análise do novo Diretório Nacional do
PT, em novembro de 1984, destaca a composição em curso entre setores
conservadores da oposição e representantes do regime militar para a disputa no
Colégio Eleitoral:
“Consolida-se no país a tendência
de a sucessão presidencial culminar no Colégio Eleitoral, hoje regulamentado
graças ao acordo entre o PMDB e o PDS, apesar das tentativas de obstrução do
PDT e do PT, que resistiu até o último momento. Reduzem-se, assim, praticamente
a zero as chances de aprovar uma emenda de diretas-já. O quadro sucessório,
portanto, apesar das grandes
manifestações da campanha pelas diretas e do saldo político que ela
deixou, está definido de acordo com os interesses das classes dominantes. O
PMDB, que nas eleições de 1982 já dera um grande passo à direita ao incorporar
o PP, deslocou-se ainda mais para a direita quando, decidindo abandonar a
campanha das diretas, uniu-se a parte do PDS na Aliança Democrática para
garantir maioria no Colégio Eleitoral.
Assim
transformados, os dois partidos dominantes acabaram por dar-se as mãos para,
juntos, regulamentarem o Colégio e promoverem uma sucessão onde ao povo só é
reservado o lugar de espectador de um jogo do qual não participa. Agora, 686
delegados do Colégio vão substituir 60 milhões de brasileiros aptos a votar
eleições diretas, nas quais seguramente os candidatos seriam outros.”[8]
Enfatizava não só o alijamento do
povo no processo decisório, mas a sua “incorporação” em uma encenação
anti-malufista, e não anti-ditadura, em uma ampla articulação das diversas
frações da classe dominante:
“(...) Esta enorme manipulação é
feita através de mobilizações populares, que, convocadas a pretexto de combater
o malufismo – repudiado por toda a Nação -, servem de respaldo a uma
candidatura que acolhe também elementos do malufismo e seguidores do regime de
64. É preciso combater o malufismo hoje e sempre, o que significa não manter a
mística de um candidato praticamente derrotado antes mesmo da reunião do
Colégio. Isto porque, ali, não se trata somente de comprar votos desse ou
daquele delegado, mas antes de assegurar a continuidade do sistema militar e da
exploração capitalista. Nisto, a candidatura Tancredo, que representa uma
articulação das classes dominantes mais poderosa do que a de Maluf, desempenha
melhor a função de proclamar mudanças sem nada mudar. (...)
Tancredo,
como ele próprio declarou, é a cara nova de 64, contra a subversão, a
corrupção, a repressão fora da ordem burguesa. É apoiado pelo maior bloco das
classes dominantes já formado no país, sendo o preferido dos grandes
empresários, dos banqueiros, das multinacionais, e de uma ala dos militares. (...)realiza,
por outras vias, uma antiga aspiração do general Golbery (...) isolar setores
populares e de esquerda representados também no PMDB. (...)”[9]
Em seu manifesto, o Diretório
Nacional alertava para o equívoco de avaliar o governo da “Aliança Democrática”
como um governo de centro-esquerda ou que estivesse comprometido com reformas.
Denunciava o compromisso com a continuidade dos elementos fundamentais da
dominação burguesa no Brasil:
“(...)Tancredo não pensa em
reforma agrária (afinal, como dividir as terras de seu próprio vice?); não
rompe com a política do FMI (Fundo Monetário Internacional); propõe um SNI
(Serviço Nacional de Informações) à paisana; mantém a LSN (Lei de Segurança
Nacional); convoca os trabalhadores para a colaboração com os patrões; e, num
passe de mágica, adia qualquer solução de compromisso, remetendo-as para o
Congresso de 1986, que promete transformar em ‘Constituinte’.
Por isso tudo, é um grave erro
político imaginar que haverá condições para, no interior do governo da Aliança
Democrática, empurrar o bloco das classes dominantes em direção ao centro ou à
centro-esquerda.(...)
Contra a
chantagem do malufismo e o projeto de transição proposto pelas classes
dominantes, o PT reafirma sua disposição de boicotar o Colégio e de não participar
da votação indireta de 15 de janeiro de 1985.”[10]
Mas o Diretório Nacional do PT não
se limitou a definir o boicote ao Colégio Eleitoral. Dirigindo-se aos petistas
que ainda defendiam a ida ao Colégio, dirigindo-se ao PCB, PC do B, PDT,
setores populares do PMDB, e ao movimento popular de forma geral, propunha a
construção de uma aliança alternativa ao bloco em torno de Tancredo:
“O
PT conclama todos os seus militantes, os
setores populares, sindicatos, correntes partidárias, entidades a se contraporem
ao regime autoritário e ao pacto das elites, a fim de darem um sentido à ação
das oposições e à luta pela democracia. Para que esta ação se efetive, é
preciso que o PT e as demais forças democráticas e populares se articulem em
torno de um programa comum, abrindo caminho à participação crescente dos
trabalhadores e de suas organizações no debate e nas decisões dos problemas do
país. Temos que unificar nossa ação no
sentido de conformar uma plataforma comum de lutas sociais, políticas, no plano
sindical, das lutas populares e do Parlamento. (...)”[11]
Visando um maior respaldo para a
posição do partido no Colégio Eleitoral, o PT realizou Encontros Municipais
(entre 24 de novembro e 2 de dezembro) e Encontros Estaduais (15 e 16 de
dezembro de 1984), preparatórios para o Encontro Nacional de 5 e 6 de janeiro
de 1985. Havia três propostas em discussão. A primeira, que representava a
posição oficial do PT, redigida por Rui Falcão (SP) por determinação da
Executiva Nacional, reproduzia os termos do manifesto político do Diretório
Nacional, contra a participação no Colégio Eleitoral, contra o voto em
Tancredo, defendendo a organização das lutas sociais, a independência política
e uma plataforma comum às forças democráticas e populares.[12] A Segunda proposta, de Marco Aurélio Ribeiro
e Airton Soares, discordava da não participação no Colégio Eleitoral, mesmo
considerando que nenhuma das duas candidaturas atendiam aos interesses
populares. Para os autores, tratava-se de votar contra o “fascismo”, contra o
retrocesso do regime, pela garantia das conquistas obtidas arduamente até
aquele momento, reagrupamento das forças progressistas e negociação de um
programa de metas a partir das reivindicações dos trabalhadores.[13] A
terceira proposta, assinada por Paul Singer, defendia uma negociação do PT com
Tancredo Neves e as forças que o apoiavam, buscando um acordo programático que
permitisse aos representantes do partido votar nele em caso de eleição
indireta. O fundamental seria obter o compromisso público de Tancredo com medidas
como direito de greve, autonomia e liberdade sindical, salário-desemprego, uma
política salarial que assegurasse o aumento real dos salários, redução da
jornada de trabalho, garantia de posse da terra aos posseiros. O resultado das
negociações deveria ser apresentado em Convenção Nacional (antes da eleição),
que decidiria sobre o voto ou não, ficando claro, em caso de negativa do PT a
sua coerência na defesa dos interesses do povo trabalhador, e não de um
“esquerdismo”.[14]
O Diretório Nacional do PT optou por
não participar do Colégio Eleitoral, denunciando o seu caráter anti-democrático
e a ilegitimidade do governo eleito pelo voto indireto. O partido deveria
voltar-se para a organização das lutas sociais, articulando suas demandas
políticas, destacando as bandeiras de eleições para presidente e convocação de
uma Assembléia Nacional Constituinte.
Nos momentos que antecederiam a
posse de Tancredo Neves na Presidência da República, o Diretório Nacional do PT
se manifestava pela convocação imediata de uma Assembléia Nacional Constituinte
livre e soberana, democrática, de caráter unicameral e independente do
Executivo e do Congresso Nacional. Já em sua convocação deveriam ser revogadas
as leis de exceção, concedendo o direito de voto aos analfabetos, soldados e
marinheiros, garantindo a representação de todos os partidos (mesmo os que
lutavam pela legalização, os PCs). A nova Constituição poderia ser promulgada
antes das eleições de 1986.[15]
Francisco Weffort, um dos
intelectuais mais influentes no PT, assinava um artigo onde resumia a análise
“oficial” do partido para a conjuntura de 1985 e 1986:
“Em 1985, teremos eleições para
as Capitais e para as cidades ‘de segurança nacional’. Em novembro de 1986,
teremos eleições para o Congresso Nacional, Assembléias e governos estaduais.
E, antes disso, já no primeiro semestre de 1986, teremos eleições para a
Constituinte, se vier a prevalecer, como desejamos, a tese de uma Constituinte
democrática.
1985 e 1986 serão dois anos
decisivos. Para o PT, como proposta política de organização dos trabalhadores.
E para toda a sociedade brasileira que luta para quebrar as amarras da ditadura
e tomar o caminho da democracia.(...)
A Nova República, além de uma
bela frase, é uma grande contradição. Promete mudanças institucionais mas está
comprometida com o continuismo na economia. Quer ser popular ao mesmo tempo em
que comprometida com uma política com uma política econômica anti-popular. Uma
contradição entre economia e política que o governo tenta resolver desligando
uma coisa da outra. Ou melhor, dizendo ao povo que desligue uma coisa da
outra.(...)
Nós, do
PT, temos as respostas. E temos, sobretudo, propostas para os trabalhadores.
Nós diremos: democracia sim e desenvolvimento também. Eleições sim, greves
também. Constituinte sim e luta social também. Nós diremos ao governo, mas
sobretudo aos trabalhadores, que tanto quanto as eleições são um direito
democrático dos cidadãos, as greves são um direito democrático dos que vivem do
seu trabalho e do seu salário. Nós diremos que assim como as eleições e a
Constituinte ajudam o desenvolvimento da democracia, cada reivindicação dos
trabalhadores contribui para a democracia e para o crescimento de um mercado
interno sem o qual nenhum desenvolvimento nacional é possível. A luta política
e a luta econômica que aliancistas tentam separar, como tática para dividir os
trabalhadores, nós, do PT, lutaremos para unir. E lutaremos, sobretudo, para
unir a nós a maioria dos trabalhadores brasileiros que tentam manter
separados.”[16]
Em uma rápida análise sobre a
fragilidade da posição do PMDB na Aliança democrática, a inesperada internação
e cirurgia do presidente eleito Tancredo (que não chegaria a tomar posse) já
demonstraria a verdadeira direção para a qual se encaminhava a estratégia
peemedebista de poder, de forma quase “premonitória”:
“(...) E
quais são os ensinamentos? Em primeiro lugar, que o PMDB errou ao julgar remota
a possibilidade de José Sarney, o ex-presidente do PDS, ocupar a cadeira
presidencial, assim como já errara ao julgar que os malufistas impugnariam sua
indicação, obrigando a Frente Liberal a escolher um vice não partidário, como
Ermírio de Moraes. Em segundo lugar, o golpe branco contra a campanha das
diretas, representado pela eleição de Tancredo, e principalmente pelo tipo de ministério
e de políticas por ele definidas, pode acabar evoluindo para uma crise
institucional profunda, que só foi evitada agora porque insistiram na tecla de
que o mal de Tancredo é passageiro, com recuperação plena em questão de dias.
Ora, e se isso não acontecer, ou se uma nova situação parecida se criar em futuro próximo? É evidente que
Sarney na presidência por qualquer período longo representa uma violação tão
grande da correlação de forças no interior da própria Aliança Democrática, que
estará aberto o caminho da crise.”[17]
Após a morte de Tancredo e a posse
de José Sarney, a Direção Nacional tentava manter acesa a chama da mobilização
popular, alterando o eixo das lutas sociais e políticas para a conquista de
reivindicações sindicais e populares como:
“Das
diretas já à trimestralidade já.
O povo está de novo nas ruas. É o
mesmo povo que lutou pelas diretas já e ficou com as indiretas. Que apoiou
Tancredo com mudanças já e ficou sem Tancredo e sem as mudanças. Agora o povo
cobra essas mudanças.(...)
Fracassou a tentativa da Aliança
Democrática de transformar o luto pela morte de Tancredo em ato de contrição e
fé na Nova República. As esperanças populares na Nova República foram
enterradas com o corpo de Tancredo.(...)
Diante da
explosão dos movimentos reivindicatórios, a Nova República responde ora com
promessas ora com o cacete.(...)”[18]
“PT
mostra o caminho: Reforma Agrária Já!
(...) O governo não resistiu às
pressões dos latifundiários e adiou a Reforma Agrária. (...)
O PT
desde o início apoiou os planos da Reforma Agrária, mesmo considerando-os
tímidos, por reconhecer que representam um avanço, e que estão sendo propostos
por um setor progressista do governo. Mas o PT não ficou só nas palavras e nem
descuidou da mobilização popular. Em Santa Catarina, quase 1.500 famílias
conseguiram arrancar um acordo com os governo estadual e federal, que lhes dará
posse de terra para viver e trabalhar. Um acordo pioneiro, que mostra que só a
mobilização popular conseguirá forçar a Reforma Agrária. O governo proibiu que
o nome da CUT constasse no acordo. Mas foi a presença da CUT, dos líderes dos
trabalhadores rurais ligados à CUT, que permitiu a vitória do Oeste
catarinense.”[19]
A vitória da “Aliança Democrática”
no Colégio Eleitoral, na interpretação dos dirigentes petistas, representara a
frustração de anseios populares. Todavia, mesmo que a correlação de forças não
fosse favorável, o PT, a CUT e os movimentos sociais, como o MST, recolocariam
na “ordem do dia” o atendimento de demandas como a reforma agrária, o fim da
política salarial, direito de greve, e tantas outras. O PT encabeçaria a
organização e mobilização popular, participando das principais lutas sociais no
período, com a crescente ocupação de espaços institucionais.
Mas não há dúvida de que, ao depositar todas as fichas da adoção da eleição direta para a presidência da República apenas na aprovação da Emenda Dante de Oliveira pelo Congresso Nacional, tanto o PT, a CUT, como os movimentos sociais que organizaram as "Diretas Já!" foram derrotados. A derrota da emenda "Dante de Oliveira"
cristalizava um novo realinhamento de tendências, com a cisão interna do PDS e
a criação da "Frente Liberal". Formalizava-se o pacto entre a
dissidência liberal-conservadora do regime autoritário e os setores moderados
da oposição, através da "Aliança Democrática" (PMDB-PFL),
personificada na chapa Tancredo-Sarney. A vitória da "estratégia de
transição pelo alto" levaria à instalação da "Nova República"
via eleição indireta, "como herdeira da parcela de continuísmo e
conservadorismo que constitui o espólio do regime autoritário". Esse
desfecho seria uma variante da alternativa preconizada por Golbery, atingindo o
seu objetivo final, com a liberação das Forças Armadas do desgaste com o
envolvimento direto com o poder, mas garantindo o papel de "arbítrio"
das decisões políticas. O Governo de José Sarney - ilegal e ilegítimo, pois assumiria sem que o presidente eleito, mesmo que no Colégio Eleitoral, tivesse tomado posse - representaria o governo de transição no Brasil. Uma transição conservadora, o momento final - enfim! - da ditadura no Brasil. Mas isso já é outra história.
[1] PT, Boletim Nacional, no.
3, 20 de dezembro de 1983, p. 3.
[2] PT, Boletim Nacional, no
4, 25 de janeiro de 1983, p. 2. Ver também os no. 5, 6, e seguintes.
[3] A quarta proposta não foi
localizada.
[4] PT, Boletim Nacional, no.
6, 1 de abril de 1984, suplemento especial, p. 1.
[5] Idem.
[6] Idem, p. 2.
[7] Idem, p. 3.
[8] O PT e o momento político –
manifesto do Diretório Nacional (21/10/84), Boletim Nacional, Órgão da
Executiva Nacional, no. 8, novembro de 1984, p. 2.
[9] Idem, p. 2.
[10] Idem, p. 2-3.
[11] Idem, p. 3.
[12] Rui Falcão, Proposta 1,
“Manter-se fiel às origens ou diluir-se”, in: PT, Boletim Nacional, Órgão
da Executiva Nacional, no. 8, p.3.
[13] Marco Aurélio Ribeiro e Airton
Soares (Dep. Fed. SP), Proposta 2, “Ir ao Colégio para votar contra o
fascismo”, in: idem, p. 4.
[14] Paul Singer, Proposta 3,
“Negociar um acordo programático”, in: PT, Boletim Nacional, Órgão da
Executiva Nacional, no. 8, p.4.
[15] PT, Boletim Nacional, no.
9, março de 1985. Deve-se aproveitar para destacar que não houve publicação do
Boletim Nacional no processo da realização de eleições indiretas para
presidente, nem do debate e expulsão dos deputados petistas que participaram do
Colégio Eleitoral.
[16] Francisco Weffort, “Eleições
Sim, Greves Também”, in: PT, Boletim Nacional, no. 9, março de 1985.
[17] : PT, Boletim Nacional, no.
9, março de 1985. O texto deve ter sido escrito por Bernardo Kucinski, que
respondia pela redação do Boletim.
[18] : PT, Boletim Nacional, no.
10, junho de 1985, 1ª página.
[19] : PT, Boletim Nacional, no.
11, julho de 1985, 1ª página.
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