domingo, 30 de março de 2014

50 anos do Golpe de 1964

50 anos do Golpe de 1964
Gelsom Rozentino de Almeida
Coordenador do TEMPO/UERJ
Procientista FAPERJ
Professor Associado do PPGHS/UERJ


           É inegável que o golpe civil-militar de 1964 é um marco fundamental na história brasileira. Mas, como todo marco, é também o centro de inúmeras controvérsias: ocorreu no dia 31 de março ou 1º. de abril? Foi golpe, contra-golpe, revolução ou contra-revolução? Poderia ser evitado? Como teria sido se Jango tivesse resistido? Foi determinado pelas condições do desenvolvimento do capitalismo brasileiro ou resultado de uma crise política conjuntural? Para muitos, ainda hoje, foi bom ou ruim?       Não pretendemos responder a essas questões, senão suscitar ainda outras nessa breve análise que tampouco esgotará o tema.



A Coalizão Político-Empresarial Conservadora

A crise política que tomou conta do governo João Goulart pôs em questão o chamado “pacto populista”, consubstanciado na aliança PSD-PTB. Sua manifestação mais visível consistiu na emergência das forças populares, cujas demandas iam muito além da capacidade de assimilação dos canais institucionais existentes, ameaçando, no sentido mais amplo, o poder hegemônico dos EUA no continente. Em outras palavras, os interesses do capital internacional no Brasil viam-se acuados por exigências de reformas dos grupos mais radicais.
Para contrapor o avanço das forças empenhadas em pressionar o governo a realizar as Reformas de Base, as elites empresariais, burocráticas e militares procuraram se organizar. A vanguarda dessas elites estava organizada em torno do complexo IPES/IBAD e ESG. Seus objetivos iam, no entanto, além da pura e simples resistência às reformas. Consistiam também em alterar o curso do desenvolvimento econômico-social do país. Em síntese, buscavam um projeto de inserção do país no sistema econômico internacional, que supunha uma abertura do mercado brasileiro ao capital internacional. Para isso, parecia crucial uma ofensiva político-militar com vistas a esmagar as articulações reformistas.

O Golpe Civil-Militar de 1964

A maior parte da grande imprensa participou intensamente da campanha ideológica promovida pelo complexo IPES/IBAD/ESG e, posteriormente, apoiou decisivamente o golpe. As grandes empresas nacionais e estrangeiras ocuparam um lugar central desde início. O caráter civil do golpe e ditadura foi eminentemente empresarial. Os principais jornais e revistas do país publicaram seguidos editoriais contra a continuidade do governo Jango e em defesa da intervenção militar. Também foram utilizados rádio, televisão, cinema e a publicação de panfletos e livros, em defesa do capitalismo, da democracia liberal e do anti-comunismo na formação da opinião pública. O desenvolvimento da articulação direitista que resultou no golpe se intensificou no início de 1964, contando com o decisivo recurso financeiro de empresários nacionais e estrangeiros, da CIA e da embaixada dos EUA (Lincoln Gordon e Wernon Walters, embaixador e adido militar), do comando militar, de políticos (sobretudo Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros, governadores da Guanabara, Minas Gerais e São Paulo), da Igreja Católica, dos proprietários rurais e do apoio das classes médias. Destaca-se ainda a “Operação Brother Sam”, em que o governo dos EUA deslocou navios, armamentos militares e combustível, como apoio logístico para uma possível guerra civil, que não ocorreu.
Pressionado pela esquerda e pela direita, João Goulart decide-se a efetuar as Reformas de Base por meio de decretos anunciados em praça pública. Para isso, confiava no apoio popular a favor das reformas e, em caso de uma eventual tentativa de golpe, no "dispositivo militar" e sindical favorável às mudanças.
O Comício da Central, realizado em 13 de março de 1964 com 300 mil presentes e intensa mobilização do movimento sindical e do PCB, reuniu no mesmo palanque os três Ministros Militares Leonel Brizola, o governador Miguel Arraes e vários outros. Em todos os discursos prevaleceu o tom radical em defesa dos interesses populares. E o próprio Goulart afirmou que só o povo poderia fazer as reformas contra os interesses das elites. Para marcar sua posição junto ao povo, assinou o decreto da Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA).
A resposta conservadora aconteceu no dia 19 de março, dia de São José. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu perto de 500 mil pessoas, que desfilaram pelas ruas da capital paulista em protesto contra a “esquerdização” do país. Logo a seguir, marchas semelhantes acontecem em Santos e no Rio de Janeiro.
A situação de crise aprofundou-se mais, quando, no dia 24 de março, o Ministro da Marinha, Silvio Mota, ordenou a prisão dos dirigentes da Associação dos Marinheiros. Contudo, à revelia do Ministro, que se demite, Jango ordena a soltura e anistia dos dirigentes.
Os generais Castelo Branco e Costa e Silva lideravam a articulação do golpe, apesar da iniciativa de Mourão Filho. Os indecisos - como o General Kruel, comandante do 2º. Exército (SP e MT) - aderiram. Os golpistas contavam também com o 4º. Exército (Nordeste). No 1º. Exército controlava a 4ª. Região Militar (MG) e parte da 1ª. (Guanabara, RJ, ES). No 3º. Exército, o comandante, que era um legalista, não controlava as tropas. A Marinha e a Aeronáutica aderiram ao golpe. Ao longo do dia 1º. de abril, no plano militar, o golpe estava consolidado.
No dia 30, Goulart, pela televisão, anunciou que efetuaria as reformas prometidas e afirmou estar a oposição "financiada pelas remessas ilícitas das grandes companhias estrangeiras e pelos latifundiários". Na madrugada do dia 31, tem início o levante militar que acabaria por deflagar o golpe. O primeiro passo foi dado pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª. Região Militar, em Juiz de Fora, dirigindo suas tropas para o Rio de Janeiro. Magalhães Pinto, governador de Minas Gerais, que já estava preparado para pedir o reconhecimento de “estado de beligerância” aos EUA no caso de guerra civil, divulga um manifesto à nação acusando o presidente de subverter a legalidade.

  


   Tanques ocupam a entrada do Ministério da Guerra e a Central do Brasil. Rio, 01/04/1964.
 
 
 O presidente, que estava no Rio de Janeiro, rumou para Brasília na manhã do dia 1º. de abril. Foi neste dia - dia da mentira - que se concretizou o golpe. Ao longo do dia, enquanto o golpe avançava o presidente se abatia. À noite, seguiu para Porto Alegre. Em seguida o Senador Áureo de Moura Andrade, ao arrepio da ordem constitucional, declarou vaga a presidência da república. O presidente da Câmara de Deputados, Ranieri Mazzili assumiu interinamente a presidência, mas o poder estava com o comando militar.
No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.
A junta militar, travestida de “Comando Supremo da Revolução”, baixou um "Ato Institucional" – uma invenção que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. O AI 1, por exemplo, fundamentava o poder do novo regime na legitimidade revolucionária e afirmava que era dele que se originavam as instituições, inclusive o funcionamento do Congresso Nacional.
  Ao contrário do esperado pelos próprios conspiradores civis e militares, não houve reação organizada. O “dispositivo militar” não funcionou. Brizola tentou comandar nova reação a partir do Rio Grande do Sul, com apoio do 3º. Exército. Jango afirmou que resistiria, mas desistiu. Miguel Arraes foi preso, em Recife. Brizola não logrou reeditar a resistência de 1961, e exilou-se no Uruguai, para onde Jango se dirigiu, no dia 2 de abril. Nesse dia foi deflagrada uma greve geral liderada pelo CGT em apoio ao governo. Embora contasse com a adesão das principais categorias dos trabalhadores que paralisaram o Rio de Janeiro, não foi suficiente para reverter o golpe e impedir a ocupação militar dos principais espaços públicos. Nos primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como CGT, UNE, Ligas Camponesas, PCB e grupos católicos como a Juventude Universitária Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e arrastado pelas ruas de Recife. Militares legalistas que não apoiaram o golpe foram reformados e dezenas de políticos foram cassados.
  


             Rio, 01 de abril de 1964.
 


A ditadura civil-militar se encerra com o fim do governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo em 15 de março de 1985. A “distensão” – lenta, gradual e segura, iniciada no Governo do General Ernesto Geisel não indicaria, necessariamente, uma transição para a democracia, nem a “abertura”, conforme proposta inicialmente no Governo Figueiredo. A transição, da ditadura militar para algo que se supunha deveria ser a democracia, se limitaria ao governo civil de José Sarney e seria concluída com a promulgação da Constituição de 1988 e a posse de Fernando Collor de Mello em 15 de março de 1990. 


PARA SABER MAIS
Sugerimos a leitura dos verbetes que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Atos Institucionais, Ligas Camponesas, Revolução de 1964, Comício das Reformas, Marcha da família com Deus pela liberdade. Outros documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line. Basta realizar a consulta na base de dados Accessus. CPDOC/FGV: http://cpdoc.fgv.br/

Sobre a imprensa e o golpe, ver:

Bibliografia básica:
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 2. ed. atualizada e ampliada. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
DREIFUSS, René A. 1964: a conquista do Estado.3ª. ed, Petrópolis: Vozes, 1981.
FERREIRA, Jorge “O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964.” In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves [orgs.]. O Brasil Republicano. Volume 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
FIGUEIREDO, Argelina C. Democracia ou reformas? Alternativas democráticas à crise     política: 1961-1964. SP: Paz e Terra, 1993.
IANNI, Otávio, O Colapso do Populismo no Brasil, Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1968.
MATOS, Marcelo Badaró, Os trabalhadores e o golpe de 1964. História e Luta de Classes, Rio de Janeiro: n. 1, 2005.
MELO, Demian, A miséria da historiografia, in: Outubro, n.14, 2º semestre de 2006.
MENDONÇA, Sonia Regina de & FONTES, Virgínia Maria. História do Brasil Recente – 1964-1994. São Paulo, Ática, 2006.
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. Coleção Descobrindo o Brasil.
SANTOS, Wanderley Guilherme. Sessenta e quatro: anatomia da crise. SP: Vértice, 1986.
SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo. 6ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

Nova edição da Revista História & Luta de Classes sobre os 50 anos do Golpe de 1964.
                                        
Primeiro número da Revista História & Luta de Classes
                                              

domingo, 23 de março de 2014

EUA e aliados empurraram Rússia a intervir na Ucrânia

Os acontecimentos envolvendo a Ucrânia indicam que está em marcha uma nova estratégia norte-americana para desestabilizar Moscou.


Reginaldo Mattar Nasser (*)
Divulgação


















A escalada da crise na Ucrânia fez com que as bravatas belicistas atingissem o seu mais alto nível nos EUA. Alguns anunciam uma Nova Guerra Fria, outros não ficam por menos e já prevêem uma Terceira Guerra Mundial. A ex-secretária de Estado ,Hillary Clinton, comparou as ações de Putin com o que fez Hitler no acordo de Munique em 1938. Reportagens, editoriais e comentários nos principais jornais, como New York Times e Washington Post, já não respeitam padrões mínimos do jornalismo. (Distorting Russia. How the American media misrepresent Putin, Sochi and Ukraine. Stephen F. Cohen March 3, 2014 edition of The Nation) Tem razão, o professor Stephen Cohen quando observa que a cobertura que a mídia norte-americana faz hoje, sobre a crise na Ucrânia, é menos objetiva e equilibrada do que quando cobriam a União Soviética durante a Guerra Fria.
Alguns analistas tentam encontrar os desígnios do Líder Russo num longíquo passado heróico dos Czares. Revanchismo, desejo de vingança, ódio, complexo de superioridade são algumas das adjetivações que têm se repetido nos últimos dias na tentativa de compreender a anexação da Criméia pela Rússia.

Mas, será que não podemos admitir, ainda que hipoteticamente, que Putin esteja agindo de modo racional, capaz de pesar os custos, benefícios e consequências associados aos seus propósitos?

Não precisamos lembrar que é evidente que Putin possui todos os atributos de alguém que foi treinado para ser um agente da KGB que já pode demonstrar, fartamente, o modo autoritário que governa a Russia durante mais de uma década. Mas isso não significa dizer que ele não compreende os riscos de uma ação tresloucada.

Convenhamos que, nesse momento, Putin poderia até transformar a Rússia em “Estado pária” agindo militarmente na Ucrânia. Mas sua ação foi ponderada, levando em consideração as circunstancias altamente explosivas, o que fez com que sua popularidade entre os russos aumentasse. (Is Putin Rational? Probably. Here's How to Work With HimAlexander J. Motyl March 18, 2014).

A Alta Representante da União Europeia, Catherine Ashton, declarou que estava "tentando enviar os sinais mais fortes possíveis para a Rússia... tentando garantir que eles compreendessem a gravidade da situação." Ora, quem realmente que não consegue entender a gravidade? Rússia ou os EUA e seus aliados ( qualificação mais apropriada do que Ocidente)? ( A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 )

Nas semanas tensas que se seguiram à mobilização popular em Kiev vários senadores dos EUA fizeram da praça Maidan seu palanque favorito para atacar a Rússia e seus líderes causando frisson na  grande mídia. O senador republicano John McCain apareceu nos jornais e redes de notícias fazendo discursos inflamados ao lado de conhecidos neonazistas ucranianos. (Sen. John McCain appearing with Ukrainian rightists at a rally in Kiev.) Na sequência do golpe, foi montado um governo com pessoas claramente hostis à Russia, principalmentes nos cargos de segurança e defesa. (Who's Who In Ukraine's 'Kamikaze' Cabinet)

Na verdade, todo esse processo ocorreu da seguinte maneira: os EUA e aliados “empurraram” a Russia para intervenção, sabendo claramente que não restaria a Putin nenhuma outra opção a não ser a anexação da Crimeia. Era isso ou a submissão.

A premiada jornalista norte-americana, Anne Applebaum, especialista em questões do leste europeu chegou à seguinte conclusão: desistam! A Russia não é como nós (ocidente) e também não é uma potência ocidental fracassada que pode ser convertida. A Rússia é uma potência antiocidental com uma visão diferente da política internacional!

O “Ocidente” (isto é, os EUA e seus aliados) "força" a intervenção e, quando ela ocorre, eles se dizem indignados. Esta não é uma tática que soa familiar aos padrões de ação internacional de Washington?

Ações norte-americanas de “pró-democracia” chegam à porta russa 

O presidente do National Endowment for Democracy, Carl Gershman, um dos principais distribuidores de dinheiro para ações "pró-democracia" no mundo, e que contribuiu nos protestos em Kiev, advertiu, ano passado, que Putin arriscava perder não apenas os vizinhos mais próximos, mas a própria Rússia.  Há dois anos, McCain tuitou, "Querido Vlad, Primavera árabe está chegando nos vizinhos perto de você." (A Coup in Crimea—or in Russia? By Scott McConnell • March 19, 2014 ).

Robert Craig, secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan, um dos cofundadores da Reaganomics, tem posições opostas aos de seus ex-aliados republicanos que conhece muito bem. Para Craig, quem esta sob ataque, no momento, não é a Ucrania, mas a própria Russia.

Tudo isso faz com que voltemos ao inicio dos anos 80 para compreender qual a doutrina que esta sendo adotada no momento. De acordo com a versão oficial da história, a ajuda da CIA para os Mujahadeen teve início em 1980, depois que o exército soviético invadiu o Afeganistão em dezembro de 1979. Mas, na verdade a história da guerra começou, em 3 de julho de 1979, quando o então presidente Carter assinou a ordem para ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético de Cabul.  Vinte anos depois (1998), o então secretario de segurança de Nacional, Zbigniew Brzezinski, veio a público esclarecer que naquele mesmo dia, ele escreveu uma nota ao presidente explicando que esta ajuda iria induzir uma intervenção militar soviética. (January 15, 1998 Zbigniew Brzezinski)

Brzezinski e Bernard Lewis eram membros do Grupo Bilderberg formado, em 1979, quando formularam a estratégia angloamericana para o Oriente Médio. Lewis argumentou que o Ocidente deveria encorajar grupos tribais e religiosos a reivindicar sua autonomia. Se o poder central é suficientemente enfraquecido, não há verdadeira sociedade civil para manter uma identidade nacional. O caos político poderia transbordar para as regiões muçulmanas da União Soviética, configurando aquilo que Brzezinski denominou "arco de crise". (ver entre outros. Robert Dreyfuss, Devil’s Game: How the United States Helped Unleash Fundamentalist Islam. Owl Books, 2005)

No final da década de noventa, Brzezinski, publicou um livro bastante comentado entre os policymakers norte-americanos (“The grand chessboard: American primacy and its geostrategic imperatives”, 1997). Nele, preconizava que uma nova ordem mundial, sob a hegemonia dos EUA, deveria ser criada contra, e sobre, os fragmentos da URSS. Nesse sentido, a Ucrânia aparecia como o posto avançado de uma estratégia para evitar a recriação do Imperio Soviético. 

Em artigo escrito numa das mais importantes revistas norte-americanas sobre Politica Internacional, Foreign Affairs, em 2010, (From Hope to Audacity Appraising Obama's Foreign Policy January/February 2010)  Brzezinski avalia positivamente o governo Obama que “ tem demonstrado um genuíno senso de direção estratégica, uma sólida compreensão do mundo de hoje e um entendimento sobre o papel que os EUA deveriam assumir”. Mas, fez algumas ponderações sobre suas relações com a Rússia. 

Para Brzezinski, os EUA deveriam prosseguir uma política de duas vias: tem de cooperar com a Rússia sempre que for mutuamente benéfico, e não deve tolerar “ações de intimidações” na Geórgia ou na Ucrânia ( “heartland” industrial e agricola da URSS). Qualquer hesitação dos EUA, adverte Brzezinski, seria um passo para trás estimulando a nostalgia imperial da Rússia e os temores de segurança da Europa central. Acrescentou ainda, em tom de conselho, que os EUA e a UE deveriam ser mais ativos e sensíveis às aspirações européias da Ucrânia.
 
Reafirmar o interesse de longo prazo dos EUA,esclarece Brzezinski, é fortalecer o “pluralismo político dentro do antigo espaço soviético”.

Soa algo exagerado afirmar que estamos iniciando uma Nova Ordem Mundial, mas podemos afirmar com, razoável grau de certeza, de que o leste Europeu será importante foco de tensão, além de impactos consideráveis nas questões Siria e Irã (acordo Nuclear).

(*) Chefe do Departamento de Relações Internacionais da PUC(SP) e professor do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e Puc-SP)

Créditos da foto: Divulgação

Publicado em Carta Maior:  http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FInternacional%2FEUA-e-aliados-empurraram-Russia-a-intervir-na-Ucrania%2F6%2F30543

quinta-feira, 13 de março de 2014

50 anos do Comício da Central: quem tem medo de reformas populares?


Gelsom Rozentino de Almeida
Professor Associado PPGHS/UERJ
Procientista FAPERJ/UERJ


          As distorções sociais explicitadas com o crescimento econômico do país, somadas às expectativas criadas nos movimentos populares pela ascensão ao poder de Estado do trabalhista João Goulart, tornaram a situação social extraordinariamente tensa. As esquerdas, divididas em vários setores, acreditavam que havia chegado o momento da realização das pretendidas reformas estruturais, enquanto os conservadores procuravam se unir para evitar qualquer avanço político que pusesse em causa seus interesses fundamentais. Desde seus primeiros pronunciamentos como presidente, João Goulart explicitou sua vocação conciliadora, entre os interesses do capital e do trabalho, em defesa das reformas de base, nos marcos do Estado de direito e do capitalismo.
Dentre as reformas entendidas como necessárias - reforma sindical, educacional, bancária, urbana, constitucional, eleitoral, tributária e outras - a reforma agrária foi a que mais gerou expectativas positivas e reações acaloradas. De um lado o movimento camponês, que tinha nas Ligas Camponesas de Francisco Julião sua ala mais radical. Do outro, os latifundiários, que não admitiam qualquer diálogo que envolvesse a propriedade de terras.


A necessidade de realização das Reformas de Base constituía um consenso nacional. Entretanto, a discussão pontual das reformas punha em evidência toda a extensão da fragmentação política existente. Nenhum partido político tinha uma clara definição a respeito do caráter dessas reformas, o que provocou fraturas nos partidos. O principal apoio dos defensores das reformas vinha dos sindicatos de operários urbanos, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), dos movimentos do campo (Ligas, ULTAB, MASTER) e de partidos de esquerda (PCB, AP, POLOP, PCdoB). Tal quadro, teve por consequência uma intensa politização desses movimentos extra-parlamentares, os quais passaram a desafiar a capacidade de controle político do governo e, ao mesmo tempo, levar os conservadores à conclusão de que a fraqueza do governo estava a abrir as portas para uma revolução socialista. A maior manifestação política da defesa das reformas, o Comício da Central, em 13 de março de 1964, despertou de vez as forças que as sufocariam.



domingo, 9 de março de 2014



UCRÂNIA: UMA NOVA GUERRA FRIA?
Gelsom Rozentino de Almeida
Professor Associado do PPGHS UERJ

            Os acontecimentos recentes e ainda em andamento na Ucrânia tem ocupado grande espaço na mídia e preocupado aqueles que tem ainda uma fresca memória da guerra fria. A crise na Ucrânia vem se arrastando a alguns anos, agravando-se desde o final de 2013 e acirrou-se com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro deste ano. O parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com US$ 1 bilhão de ajuda. A União Européia, capitaneada pela Alemanha, acena com US$ 15 bilhões de empréstimos. Ambos também pressionam o FMI para um novo pacote de auxílio de mais US$ 15 bilhões (os empréstimos anteriores não foram pagos nem as condições pactuadas cumpridas).
            A Ucrânia atravessa uma grave crise política e econômica interna, composta pelas disputas intra-oligárquicas entre os grupos pró EUA e Europa e os pró Rússia, além da ascensão de movimentos direitistas e fascistas. E, pela localização estratégica, encontra-se agora no centro de uma disputa geopolítica. Antiga república integrante da URSS, a Ucrânia presenciou a ambiguidade de uma significativa população russa em seu território (cerca de 30% no leste e Criméia) e fortes laços culturais e econômicos com a Rússia, desde tempos imperiais, mas também forças autonomistas bastante fortes, desde a revolução anarquista de Nestor Makhno derrotada pelos bolcheviques, bem como simpatizantes com o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.
            A ocupação da praça Maidán, as grandes mobilizações e violência das forças policiais, conferiram uma “áurea revolucionária” ao movimento que resultou na derrubada do presidente. Mas não há nenhuma força de esquerda significativa liderando o processo. É a oposição pro-imperialismo norte-americano e europeu, apoiado por grupos de ultra-direita, milícias de “auto-defesa”, grupos fascistas, que compõem o “novo poder”. Não se sabe ao certo a capacidade de atração da maioria da população por esses grupos. É certo que se trata de um panorama extremamente complexo e heterogênio, seja na sua composição política como interesses organizados, propostas e reivindicações. Mas é certo que são grupos de direita. Que incluem também os pró Russia.

            A disputa pela Ucrânia não é um revival da guerra fria, nem uma nova guerra fria. Mas é composta pelos elementos de um confronto diplomático, econômico (com sanções de ambos os lados) e militar. Embora a Rússia não seja mais nenhuma superpotência, entram na conta o seu ainda enorme aparato militar (desde forças convencionais a armas nucleares). E a Ucrânia é para ela um “espaço vital”. O soft power de EUA e União Européia, bem sucedido na região em diferentes “revoluções”, como na Georgia (2003), no Quirquistão (2005) e na própria Ucrânia (2004/2005), tem se mostrado insuficiente, até o presente. EUA e Europa quem a Ucrância integrando tanto o sistema europeu como a OTAN. Isso não é aceitável para o atual governo Russo. A guerra quente não está descartada.