50
anos do Golpe de 1964
Gelsom Rozentino
de Almeida
Coordenador do TEMPO/UERJ
Procientista FAPERJ
Professor Associado do PPGHS/UERJ
Procientista FAPERJ
Professor Associado do PPGHS/UERJ
É
inegável que o golpe civil-militar de 1964 é um marco fundamental na história
brasileira. Mas, como todo marco, é também o centro de inúmeras controvérsias:
ocorreu no dia 31 de março ou 1º. de abril? Foi golpe, contra-golpe, revolução
ou contra-revolução? Poderia ser evitado? Como teria sido se Jango tivesse
resistido? Foi determinado pelas condições do desenvolvimento do capitalismo
brasileiro ou resultado de uma crise política conjuntural? Para muitos, ainda
hoje, foi bom ou ruim? Não
pretendemos responder a essas questões, senão suscitar ainda outras nessa breve
análise que tampouco esgotará o tema.
A
Coalizão Político-Empresarial Conservadora
A crise política que
tomou conta do governo João Goulart pôs em questão o chamado “pacto populista”,
consubstanciado na aliança PSD-PTB. Sua manifestação mais visível consistiu na
emergência das forças populares, cujas demandas iam muito além da capacidade de
assimilação dos canais institucionais existentes, ameaçando, no sentido mais
amplo, o poder hegemônico dos EUA no continente. Em outras palavras, os
interesses do capital internacional no Brasil viam-se acuados por exigências de
reformas dos grupos mais radicais.
Para contrapor o avanço
das forças empenhadas em pressionar o governo a realizar as Reformas de Base,
as elites empresariais, burocráticas e militares procuraram se organizar. A
vanguarda dessas elites estava organizada em torno do complexo IPES/IBAD e ESG.
Seus objetivos iam, no entanto, além da pura e simples resistência às reformas.
Consistiam também em alterar o curso do desenvolvimento econômico-social do
país. Em síntese, buscavam um projeto de inserção do país no sistema econômico
internacional, que supunha uma abertura do mercado brasileiro ao capital
internacional. Para isso, parecia crucial uma ofensiva político-militar com
vistas a esmagar as articulações reformistas.
O
Golpe Civil-Militar de 1964
A maior parte da grande
imprensa participou intensamente da campanha ideológica promovida pelo complexo
IPES/IBAD/ESG e, posteriormente, apoiou decisivamente o golpe. As grandes empresas nacionais e estrangeiras ocuparam um lugar central desde início. O caráter civil do golpe e ditadura foi eminentemente empresarial. Os principais
jornais e revistas do país publicaram seguidos editoriais contra a continuidade
do governo Jango e em defesa da intervenção militar. Também foram utilizados
rádio, televisão, cinema e a publicação de panfletos e livros, em defesa do
capitalismo, da democracia liberal e do anti-comunismo na formação da opinião
pública. O desenvolvimento da articulação direitista que resultou no golpe se
intensificou no início de 1964, contando com o decisivo recurso financeiro de empresários
nacionais e estrangeiros, da CIA e da embaixada dos EUA (Lincoln Gordon e
Wernon Walters, embaixador e adido militar), do comando militar, de políticos
(sobretudo Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros, governadores da
Guanabara, Minas Gerais e São Paulo), da Igreja Católica, dos proprietários
rurais e do apoio das classes médias. Destaca-se ainda a “Operação Brother
Sam”, em que o governo dos EUA deslocou navios, armamentos militares e
combustível, como apoio logístico para uma possível guerra civil, que não
ocorreu.
Pressionado pela
esquerda e pela direita, João Goulart decide-se a efetuar as Reformas de Base
por meio de decretos anunciados em praça pública. Para isso, confiava no apoio popular a favor das reformas e, em caso de uma eventual tentativa de golpe, no "dispositivo militar" e sindical favorável às mudanças.
O Comício da
Central, realizado em 13 de março de 1964 com 300 mil presentes e intensa
mobilização do movimento sindical e do PCB, reuniu no mesmo palanque os três
Ministros Militares Leonel Brizola, o governador Miguel Arraes e vários outros.
Em todos os discursos prevaleceu o tom radical em defesa dos interesses populares. E o próprio Goulart afirmou que
só o povo poderia fazer as reformas contra os interesses das elites. Para
marcar sua posição junto ao povo, assinou o decreto da Superintendência da
Reforma Agrária (SUPRA).
A resposta conservadora
aconteceu no dia 19 de março, dia de São José. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade reuniu perto
de 500 mil pessoas, que desfilaram pelas ruas da capital paulista em protesto
contra a “esquerdização” do país. Logo a seguir, marchas semelhantes acontecem
em Santos e no Rio de Janeiro.
A situação de crise
aprofundou-se mais, quando, no dia 24 de março, o Ministro da Marinha, Silvio
Mota, ordenou a prisão dos dirigentes da Associação dos Marinheiros. Contudo, à
revelia do Ministro, que se demite, Jango ordena a soltura e anistia dos
dirigentes.
Os generais Castelo Branco e Costa e Silva lideravam a articulação do golpe, apesar da iniciativa de Mourão Filho. Os indecisos - como o General Kruel, comandante do 2º. Exército (SP e MT) - aderiram. Os golpistas contavam também com o 4º. Exército (Nordeste). No 1º. Exército controlava a 4ª. Região Militar (MG) e parte da 1ª. (Guanabara, RJ, ES). No 3º. Exército, o comandante, que era um legalista, não controlava as tropas. A Marinha e a Aeronáutica aderiram ao golpe. Ao longo do dia 1º. de abril, no plano militar, o golpe estava consolidado.
No dia 30, Goulart, pela televisão, anunciou que
efetuaria as reformas prometidas e afirmou estar a oposição "financiada
pelas remessas ilícitas das grandes companhias estrangeiras e pelos
latifundiários". Na madrugada do dia 31, tem início o levante militar que acabaria por deflagar o golpe. O primeiro
passo foi dado pelo general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª. Região
Militar, em Juiz de Fora, dirigindo suas tropas para o Rio de Janeiro. Magalhães
Pinto, governador de Minas Gerais, que já estava preparado para pedir o
reconhecimento de “estado de beligerância” aos EUA no caso de guerra civil,
divulga um manifesto à nação acusando o presidente de subverter a legalidade.
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O presidente, que
estava no Rio de Janeiro, rumou para Brasília na manhã do dia 1º. de abril. Foi neste dia - dia da mentira - que se concretizou o golpe. Ao
longo do dia, enquanto o golpe avançava o presidente se abatia. À noite, seguiu
para Porto Alegre. Em seguida o Senador Áureo de Moura Andrade, ao arrepio da
ordem constitucional, declarou vaga a presidência da república. O presidente da
Câmara de Deputados, Ranieri Mazzili assumiu interinamente a presidência, mas o
poder estava com o comando militar.
No dia 2 de abril, foi organizado o autodenominado "Comando Supremo da Revolução", composto por três membros: o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo (Aeronáutica), o vice-almirante Augusto Rademaker (Marinha) e o general Artur da Costa e Silva, representante do Exército e homem-forte do triunvirato. Essa junta permaneceria no poder por duas semanas.
A junta militar, travestida de “Comando Supremo da Revolução”, baixou um "Ato Institucional" – uma invenção que não estava prevista na Constituição de 1946 nem possuía fundamentação jurídica. Seu objetivo era justificar os atos de exceção que se seguiram. O AI 1, por exemplo, fundamentava o poder do novo regime na legitimidade revolucionária e afirmava que era dele que se originavam as instituições, inclusive o funcionamento do Congresso Nacional.
Ao contrário do esperado pelos próprios
conspiradores civis e militares, não houve reação organizada. O “dispositivo
militar” não funcionou. Brizola tentou comandar nova reação a partir do Rio
Grande do Sul, com apoio do 3º. Exército. Jango afirmou que resistiria, mas
desistiu. Miguel Arraes foi preso, em Recife. Brizola não logrou reeditar a
resistência de 1961, e exilou-se no Uruguai, para onde Jango se dirigiu, no dia
2 de abril. Nesse dia foi deflagrada uma greve geral liderada pelo CGT em apoio
ao governo. Embora contasse com a adesão das principais categorias dos
trabalhadores que paralisaram o Rio de Janeiro, não foi suficiente para
reverter o golpe e impedir a ocupação militar dos principais espaços públicos. Nos
primeiros dias após o golpe, uma violenta repressão atingiu os setores
politicamente mais mobilizados à esquerda no espectro político, como CGT, UNE,
Ligas Camponesas, PCB e grupos católicos como a Juventude Universitária
Católica (JUC) e a Ação Popular (AP). Milhares de pessoas foram presas de modo
irregular, e a ocorrência de casos de tortura foi comum, especialmente no
Nordeste. O líder comunista Gregório Bezerra, por exemplo, foi amarrado e
arrastado pelas ruas de Recife. Militares
legalistas que não apoiaram o golpe foram reformados e dezenas de políticos
foram cassados.
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A ditadura civil-militar se encerra com
o fim do governo do General João Baptista de Oliveira Figueiredo em 15 de março
de 1985. A “distensão” – lenta, gradual e segura, iniciada no Governo do
General Ernesto Geisel não indicaria, necessariamente, uma transição para a
democracia, nem a “abertura”, conforme proposta inicialmente no Governo
Figueiredo. A transição, da ditadura militar para algo que se supunha deveria
ser a democracia, se limitaria ao governo civil de José Sarney e seria
concluída com a promulgação da Constituição de 1988 e a posse de Fernando
Collor de Mello em 15 de março de 1990.
PARA SABER MAIS
Sugerimos a leitura dos verbetes
que se encontram disponíveis no Dicionário Histórico-Biográfico
Brasileiro: Atos Institucionais, Ligas Camponesas, Revolução de 1964,
Comício das Reformas, Marcha da família com Deus pela liberdade. Outros
documentos e informações relacionadas ao assunto estão disponíveis on-line.
Basta realizar a consulta na base de dados Accessus. CPDOC/FGV: http://cpdoc.fgv.br/
Sobre
a imprensa e o golpe, ver:
Bibliografia
básica:
ALVES,
Maria Helena Moreira. Estado e oposição
no Brasil (1964-1984). 2. ed. atualizada e ampliada. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
DREIFUSS, René A. 1964: a conquista do Estado.3ª. ed,
Petrópolis: Vozes, 1981.
FERREIRA, Jorge “O governo Goulart e o golpe
civil-militar de 1964.” In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida
Neves [orgs.]. O Brasil Republicano.
Volume 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.
FIGUEIREDO,
Argelina C. Democracia ou reformas?
Alternativas democráticas à crise
política: 1961-1964. SP: Paz e Terra, 1993.
IANNI,
Otávio, O Colapso do Populismo no Brasil,
Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1968.
MATOS, Marcelo Badaró, Os trabalhadores e o golpe
de 1964. História e Luta de Classes,
Rio de Janeiro: n. 1, 2005.
MELO,
Demian, A miséria da historiografia, in: Outubro,
n.14, 2º semestre de 2006.
MENDONÇA, Sonia Regina de & FONTES, Virgínia
Maria. História do Brasil Recente –
1964-1994. São Paulo, Ática, 2006.
REIS
FILHO, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000. Coleção Descobrindo o Brasil.
SANTOS,
Wanderley Guilherme. Sessenta e quatro:
anatomia da crise. SP: Vértice, 1986.
SKIDMORE, Thomas, Brasil: de Getúlio a Castelo. 6ª
ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
Nova edição da Revista História & Luta de Classes sobre os 50 anos do Golpe de 1964.
Primeiro número da Revista História & Luta de Classes
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